A invisibilidade social
Jornal 108 -
Dezembro/2012
Pesquisa mostra que a
invisibilidade pública está especialmente ligada à segregação das classes
sociais
O professor Fernando
Braga da Costa é doutor em Psicologia Social e professor do Departamento de
Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo. Ele esteve em
Maringá para ministrar uma palestra no Sinteemar e participar de uma banca de
defesa de dissertação de mestrado no Departamento de Ciências Sociais da UEM. O
Jornal da UEM aproveitou a vinda dele para conhecer mais de perto uma pesquisa
acerca da invisibilidade social.
Costa ficou conhecido
por sua obra chamada Homens Invisíveis. Ela é baseada numa experiência pessoal
para um trabalho de pesquisa. “Durante dez anos trabalhei como gari dentro da
cidade universitária da USP, duas vezes por semana. Comecei fazendo iniciação
científica e, depois, virou mestrado e doutorado. Queria perceber o impacto de
enfrentar essa situação não só sob o aspecto das condições insalubres de
trabalho, mas entender a própria situação psicossocial na qual o trabalhador
braçal se encontra. Percebi que há uma grande dificuldade da gente se situar
num lugar simbólico que é diferente do que a gente está habituado, na condição
de professor universitário ou de profissional liberal. Tudo muda. A maneira
como as pessoas te recebem, a maneira como você é visto ou não visto, no caso
dos garis.”
O professor relatou
um caso que ilustra bem toda a experiência. Contou que um professor vizinho de
bairro dele costumava encontrá-lo eventualmente nos finais de semana. “Ele me
chamava pelo nome, inclusive. ‘O Fernando, com é que você está?’ . E eu
respondia: ‘Tudo bem’ . Certa vez, dois dias depois de um desses encontros
ocasionais, ele esbarrou em mim dentro da cidade universitária. Não só não me
reconheceu como também não me cumprimentou. Obviamente, nesse dia eu estava
trajado com uniforme de gari, varrendo. Não há nada que explique aquele fato a
não ser de eu estar com roupas diferentes das usuais”.
Para Costa, os garis,
de modo geral, têm consciência da invisibilidade. “Nós é quem não sabemos. Nós,
os cegos psicossociais, é que somos ignorantes sobre a invisibilidade que nós
próprios reproduzimos com esses trabalhadores”. Prova dessa consciência plena e
absoluta, explica o professor, é que, se repararmos, raros são os trabalhadores
braçais que usam uniforme fora do local de trabalho. “Sempre que possível, eles
trocam a roupa de trabalho, inclusive porque o uniforme não é uma roupa
pessoal, é uma roupa que faz com que todos nós pareçamos idênticos uns aos
outros, coisa que ninguém é”, complementa.
Origens – Mas, de
onde surge essa invisibilidade? Segundo Fernando Costa, é impossível falar a
respeito disso sem recorrer à história humana, de uma forma geral. “Isso é
sustentado por dois fatores ou pelo cruzamento de dois conjuntos de fatores
sociais e psicológicos. A gente pode associar o fenômeno da invisibilidade
pública especialmente à segregação social em classes, coisa que não é invenção
do capitalismo, mas que o capitalismo perpetua, naturaliza. Isso também é
sustentado por aspectos psicológicos. Isto é, avaliações individuais de pessoa
para pessoa. Portanto, se refere à sensibilidade a partir da presença de alguém
perto dessas pessoas. De qualquer maneira, tudo isso é bastante complexo e
nunca é facilmente inteligível, porque demanda sempre um estudo crítico não
superficial. Eu resumiria da seguinte forma: há aspectos na invisibilidade que
tem a ver com essa segregação social. Em outras palavras, quanto mais distante
de mim, socioeconomicamente falando, maior a probabilidade de um sujeito ficar
automaticamente invisível aos meus olhos. Quando essa proximidade é maior,
raramente se dá esse fato.”
Segundo Costa, a
distribuição de renda, por exemplo, no Brasil, obviamente injusta, tem a ver
também com a produção material dessa invisibilidade. Isto é, não há como você
acabar com a invisibilidade sem que haja uma reordenação da maneira como os
trabalhos estão distribuídos. “A maneira como nós nos fixamos em atividade
profissionais únicas é quase que antinatural. Pode parecer loucura, mas o fato
de eu ser psicólogo, o outro ser médico, o outro ser gari, na verdade, não
representa toda a disponibilidade de potenciais criativos e intelectuais que
nós seres humanos temos. Então, para acabarmos com a invisibilidade,
necessariamente, deveríamos recorrer a uma nova ordenação social em que não
estivéssemos fixados. Então, se o João é gari, a chance de eu conhecê-lo como
gari, não como João, é muito grande, especialmente em comunidades com muitos
habitantes. Então, a invisibilidade é tão mais impactante quanto maior for a
distância social entre as classes e quanto maior for o número aglomerado de
pessoas. Em uma cidade pequena isso é mais difícil de acontecer, as pessoas se
conhecem pelo nome, muitas vezes até pelo sobrenome”, explica Costa,
acrescentando que, para isso, é preciso mudar mentalidades:
“Eu diria que os
novos caminhos que nós devemos buscar estão menos na filosofia, menos nos
pensamentos e mais nas ações. Por exemplo, não bastam palestras, não bastam
aulas falando sobre igualdade e fraternidade e coisas do gênero aqui na
Universidade Estadual de Maringá. Seria preciso, por exemplo, que os estudantes
estivessem disponíveis para voluntariamente, um dia na semana, limpar os
banheiros que eles fazem uso. Certamente, mudaria a maneira como eles fazem uso
desses sanitários, mudaria a forma como eles se relacionam com os funcionários
responsáveis pela limpeza. Afinal, se eles se dessem conta de que lavar o vaso
sanitário não é bom pra eles, obviamente, não pode ser bom para nenhum ser
humano. Portanto, se há necessidade dos lugares estarem limpos, sejam eles
públicos ou privados, deveria haver um
revezamento coletivo nessas tarefas, não a fixação desses escravos
contemporâneos eu diria, nessa tarefas degradantes e insalubres”, conclui
Costa.
* Edição: Ana Paula Machado Velho
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