Profª Verônica
Matéria: Português
Turma: 8ABC
Entrega: duas semanas a partir da data da publicação.
Enviar para: vtezoni@prof.educacao.sp.gov.br EM ARQUIVO WORD OU FOTO DO CADERNO.
Dúvidas e perguntas nos comentários ou por e-mail.
Matéria: Português
Turma: 8ABC
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Habilidades: Reconhecer em contos, entrevistas e poemas, marcas linguísticas que singularizam os diferentes gêneros; Ler, de forma autônoma, textos de gêneros variados.
Olá pessoal, tudo bem?
Estou enviando a vocês um conto de um autor contemporâneo. É uma narrativa muito interessante!
1- Conforme seus estudos sobre o gênero conto, quais características de um conto você encontrou na leitura?
2- O que você achou do conto? Faça uma breve resenha.
3- Quais os personagens do conto?
4- Qual o protagonista?
5- Em que espaço se passa a narrativa? e tempo?
6- Os elementos e a ambientação narrados no conto são parecidos com os de seu cotidiano? Explique.
7- Qual o clímax da história?
8- O que você achou do desfecho? Comente.
LEITURA DE CONTO
Estou enviando a vocês um conto de um autor contemporâneo. É uma narrativa muito interessante!
Livro: Carrossel sombrio.
Autor: Joe Hill.
Conto: ÀS MARGENS PRATEADAS DO LAGO
CHAMPLAIN
O ROBÔ SE ARRASTOU, rangendo na escuridão do quarto, depois ficou
parado, observando os humanos.
A humana gemeu, rolou para longe e dobrou um travesseiro sobre a
cabeça.
— Gail, meu amor — disse o homem, lambendo os lábios secos. — A
mamãe está com dor de cabeça. Pode parar de fazer esse barulho?
— POSSO OFERECER UMA ESTIMULANTE XÍCARA DE CAFÉ — retumbou o robô
com a voz sem emoção.
— Mande ela sair, Raymond — falou a mulher. — Minha cabeça está
explodindo.
— Saia, Gail. Como ouviu, a mamãe não está se sentindo bem — disse o
homem.
— VOCÊ ESTÁ ERRADO. EU ESCANEEI OS ÓRGÃOS VITAIS DELA — respondeu.
— SYLVIA LONDON ESTÁ BEM.
O robô inclinou a cabeça para um lado, cheio de curiosidade, esperando
por mais dados. A panela na cabeça dele caiu no chão com um estrondo
enorme.
A mãe se sentou na cama e gritou. Era um barulho inumano, sofrido,
angustiado, sem palavras, e assustou tanto o robô que, por um momento, ela
se esqueceu de que era um robô e virou apenas Gail de novo. O robô pegou a
panela do chão e correu rangendo para a relativa segurança do corredor.
Espiou de volta para o quarto. A mãe já estava deitada, segurando o
travesseiro sobre a cabeça de novo.
Raymond sorriu na escuridão para a filha.
— Talvez o robô consiga formular um antídoto para envenenamento por
martíni — sussurrou ele e piscou.
O robô piscou de volta.
Por um tempo, o robô trabalhou seguindo aquela diretriz e formulou o
antídoto que expulsaria o veneno do organismo de Sylvia London,
misturando suco de laranja, suco de limão, cubos de gelo, manteiga, açúcar e
detergente em uma caneca de café. A solução resultante espumou e assumiu
um tom verde escandaloso de ficção científica — parecia lodo venusiano e
radiação.
Gail achou que o antídoto cairia melhor com torradas e geleia de laranja.
Mas ocorreu um erro de programação: a torrada queimou. Ou talvez fossem
os próprios fios cruzados começando a fazer fumaça, colocando em curtocircuito as sub-rotinas que exigiam que ela seguisse as leis de Asimov. Com
as placas chiando dentro dela, Gail começava a dar defeito. Ela derrubava as
cadeiras com grandes estrondos e empurrava os livros da bancada da cozinha
para o chão. Era terrível, mas não conseguia evitar.
Gail não ouviu a mãe correndo pela cozinha, não sabia que ela estava lá até
Sylvia arrancar o pote da cabeça e jogá-lo na pia.
— O que você está fazendo? — gritou a mãe. — O quê, em nome de
Deus? Se eu ouvir mais alguma coisa caindo, vou matar alguém com um
machado. Eu mesma, provavelmente.
Gail não respondeu, pois sentiu que o silêncio era mais seguro.
— Saia daqui antes que a casa inteira pegue fogo. Meu Deus, como essa
cozinha está fedendo. A torrada está preta. E o que você colocou nessa
caneca?
— Isso vai curar você — disse Gail.
— Não tem nenhuma cura para mim — falou a mãe, o que foi uma dupla
negativa, mas Gail não achou prudente corrigi-la. — Eu queria ter tido um
menino. Garotos são calados. Vocês quatro são como uma árvore cheia de
pardais, uma voz estridente mais alta que a outra.
— O Ben Quarrel não é assim. Ele nunca cala a boca.
— Você deveria ir lá para fora. Todas vocês deveriam ir lá para fora. Não
quero ouvir nem mais um pio até que o meu café da manhã esteja pronto.
Gail se arrastou em direção à sala de estar.
— E tire essas panelas dos pés — disse a mãe, pegando o maço de cigarros
no parapeito da janela.
Com cuidado, Gail removeu um pé e depois o outro das panelas que vinha
usando como botas de robô.
Heather estava sentada à mesa da sala de jantar, debruçada sobre uma folha
de papel. As gêmeas Miriam e Mindy brincavam de carrinho. Mindy
segurava os tornozelos de Miriam e a guiava pelo quarto, com Miriam
apoiada nas mãos.
Gail olhou por cima do ombro de Heather para ver o que a irmã mais velha
estava desenhando. Então, pegou um caleidoscópio e olhou para o desenho
através dele. Não parecia muito melhor.
Ela abaixou o caleidoscópio e disse:
— Quer que eu ajude você com o desenho? Sei fazer o nariz de um gato.
— Isso não é um gato.
— Ah. E o que é?
— É um pônei.
— Por que ele é cor-de-rosa?
— Eu gosto de pôneis cor-de-rosa. Deve haver alguns que são cor-de-rosa.
Rosa é mais bonito que as cores de cavalos.
— Nunca vi um cavalo com orelhas assim. Seria melhor se colocasse uns
bigodes e deixasse que fosse um gato.
Heather amassou o desenho e se levantou tão rápido que derrubou a
cadeira.
Naquele exato momento, Mindy fez Miriam bater com força na beirada da
mesa de centro. A menina gritou e agarrou a cabeça, e Mindy largou os
tornozelos da irmã, que bateu no chão com tanta força que a casa inteira
tremeu.
— Cacete, dá para vocês pararem de derrubar as merdas das cadeiras?
— berrou a mãe da cozinha. — Por que todas têm que derrubar as cadeiras
ao mesmo tempo? O que tenho que fazer para vocês pararem?
— Foi a Heather! — disse Gail.
— Não fui eu! — respondeu Heather. — Foi a Gail!
Ela não via aquilo como uma mentira. Heather achava que, de alguma
forma, Gail havia sido culpada apenas por ter ficado parada ali, sendo burra.
Miriam soluçou, apertando ainda mais a cabeça. Mindy pegou o livro do
Pedro Coelho e ficou ali, olhando, virando as páginas à toa, a jovem
estudiosa imersa nos estudos.
A mãe delas agarrou Heather pelos ombros e a apertou.
— Quero que vá lá para fora. Todas vocês. Pegue as suas irmãs e saia. Vão
para longe. Até o lago. Não voltem até me ouvirem chamando.
Eles saíram para o quintal, Heather, Gail, Mindy e Miriam. Miriam não
estava mais chorando. Ela parou no momento em que a mãe voltou à cozinha.
Heather, a irmã mais velha, mandou que Miriam e Mindy se sentassem na
caixa de areia e brincassem.
— E o que eu faço? — perguntou Gail.
— Você pode ir se afogar no lago.
— Parece divertido — disse Gail e foi descendo a colina aos pulinhos.
Miriam ficou na caixa de areia com uma pequena pá de lata e observou a
irmã ir embora. Mindy já estava enterrando as próprias pernas na areia.
Era cedo e o tempo estava fresco. A névoa pairava sobre a água, e o lago
parecia aço desgastado. Gail ficou parada na doca do pai, ao lado do barco,
observando como o vapor pálido se agitava e se alterava na penumbra. Era
como estar dentro de um caleidoscópio cheio de vidro marinho cinza
esfumaçado. O caleidoscópio ainda estava enfiado no bolso do vestido. Em
um dia ensolarado, Gail conseguia ver as encostas verdes do outro lado da
água e enxergar a praia de pedra, ao norte, que ia até o Canadá; mas, naquele
momento, não conseguia ver três metros à frente.
Ela seguiu pela faixa estreita de praia em direção à casa de veraneio da
família Quarrel. Havia apenas um metro de pedras e areia entre a água e o
dique, e menos que isso em alguns pontos.
Alguma coisa reluziu, e Gail se abaixou e descobriu um pedaço de vidro
verde-escuro que havia sido polido pelo lago. Era um vidro verde ou uma
esmeralda. Ela achou uma colher de prata amassada a menos de meio metro
de distância.
A menina virou a cabeça e olhou de novo para a superfície prateada do
lago.
Ela imaginou que um navio tinha afundado, a escuna de alguém, não muito
longe da costa, e que estava descobrindo o tesouro trazido pela maré. Uma
colher e uma esmeralda não poderiam ser uma coincidência.
Ela abaixou a cabeça e caminhou, mais devagar agora, à procura de outros
objetos do naufrágio. Logo encontrou um caubói de lata com um laço de lata.
Sentiu um arrepio de prazer, mas também de tristeza. Uma criança estivera no
barco.
— Deve ter morrido — disse para si mesma, e olhou triste para a água
mais uma vez. — Afogada — decidiu.
Gail desejou ter uma rosa amarela para jogar no lago.
Ela prosseguiu e mal tinha dado três passos quando ouviu um som na outra
margem, um lamento longo e triste, como uma buzina de nevoeiro, mas
também não exatamente.
Gail parou para olhar outra vez.
A névoa tinha cheiro de salmão podre.
A buzina de nevoeiro não voltou a soar.
Uma enorme pedra cinzenta se erguia das águas rasas naquele ponto,
subindo até a areia. Havia uma rede enrolada em torno dela. Após um
momento de hesitação, Gail pegou a rede e subiu ao topo.
Era uma pedra grande, mais alta do que ela. Era estranho que nunca tivesse
a notado antes, mas, enfim, as coisas pareciam diferentes na névoa.
Ela ficou de pé na rocha, que também era comprida, inclinando-se para a
direita e se enroscando em um crescente até entrar na água à esquerda. Era
uma crista baixa de pedra que demarcava a linha entre terra e água.
Gail espiou a neblina fria levada pelo vento, tentando ver o navio de
resgate que deveria estar em algum lugar, procurando pelos sobreviventes.
Talvez não fosse tarde demais para a criança. Ela levou o caleidoscópio até o
olho, contando com seus poderes especiais para penetrar na névoa e revelar
onde a escuna afundara.
— O que você está fazendo? — disse alguém atrás de Gail.
Ela olhou para trás. Eram Joel e Ben Quarrel, ambos descalços. Ben
Quarrel parecia uma versão menor do irmão mais velho. Ambos tinham
cabelos e olhos escuros e expressões mal-humoradas, quase petulantes. Gail
gostava deles, no entanto. Ben às vezes fingia que estava pegando fogo, se
jogava no chão e rolava gritando, e alguém tinha que ir apagá-lo. Ele
precisava ser apagado mais ou menos uma vez a cada hora. Joel gostava de
desafiar os outros, mas nunca desafiava alguém a fazer alguma coisa que ele
mesmo não faria. Certa vez, desafiou Gail a deixar que uma aranha rastejasse
no rosto dela, um opilião, e, então, quando Gail não quis, Joel Quarrel deixou
a aranha na própria bochecha. Até enfiou a língua para fora e deixou o opilião
rastejar por cima. Ela temeu que Joel fosse comer a aranha, mas o menino
não fez isso. Ele não falava muito e não se gabava, mesmo quando fazia algo
incrível, como conseguir que uma pedra quicasse cinco vezes na água do
lago.
Gail presumiu que eles se casariam um dia. Ela perguntou a Joel se ele
achava que ia gostar, e Joel deu de ombros e disse que tudo bem. Isso foi em
junho, porém, e os dois não falaram sobre o noivado desde então. Gail
imaginava que ele tivesse esquecido.
— O que aconteceu com o seu olho? — perguntou ela.
Joel tocou o olho esquerdo, cuja pele ao redor estava vermelha e marrom.
— Eu estava brincando de Esquadrilha da Fumaça e caí da cama. — Ele
acenou com a cabeça em direção ao lago. — O que tem lá?
— Um navio afundou. Estão procurando pelos sobreviventes agora.
Joel agarrou a rede emaranhada na pedra, subiu até o topo e ficou ao lado
de Gail, olhando para a névoa.
— Qual era o nome? — perguntou ele.
— Do quê?
— Do navio que afundou.
— Mary Celeste.
— A que distância?
— Um quilômetro — disse Gail, e levou o caleidoscópio ao olho para
espiar outra vez.
Através das lentes, a água turva foi quebrada, repetidas vezes, em cem
escalas de rubi e cromo.
— Como você sabe? — perguntou Joel depois de um tempo.
Ela deu de ombros.
— Encontrei algumas coisas que a maré trouxe.
— Posso ver? — pediu Ben Quarrel.
O menino estava tendo dificuldades para subir pela pedra. Ele parava no
meio do caminho, depois pulava de volta para baixo.
Gail se virou para Ben e tirou o vidro verde e liso do bolso.
— Isso é uma esmeralda — disse ela. Então, pegou o caubói de lata. —
Isso é um caubói de lata. O garoto a quem isso pertencia provavelmente se
afogou.
— Esse caubói de lata é meu — falou Ben. — Deixei ele aqui ontem.
— Não é. Só é parecido com o seu.
Joel olhou para o caubói.
— Não. É dele mesmo. O Ben sempre deixa os caubóis na praia. Ele quase
não tem mais.
Gail desistiu de discutir e jogou o caubói de lata para Ben, que pegou o
brinquedo e perdeu o interesse na escuna afundada. Ele virou as costas para a
pedra grande, sentou-se na areia e colocou o caubói para brigar com alguns
seixos. Os seixos bateram nele e derrubaram o caubói. Gail não achou que
aquela fosse uma luta justa.
— O que mais você encontrou? — perguntou Joel.
— Essa colher — respondeu Gail. — Pode ser de prata.
Joel apertou os olhos, depois olhou de volta para o lago.
— É melhor deixar eu ver pelo telescópio — disse ele. — Se houver
pessoas lá, a gente tem a mesma chance de encontrar elas quanto qualquer
um que esteja procurando em um barco.
— Era nisso que eu estava pensando. — Ela entregou o caleidoscópio para
Joel.
Ele virou para lá e para cá, examinando a escuridão em busca de
sobreviventes, com o rosto tenso de concentração.
Joel enfim abaixou o caleidoscópio e abriu a boca para dizer alguma coisa.
Antes que pudesse falar, a buzina de nevoeiro soou mais uma vez em tom de
lamento. A água tremeu. O som continuou por um longo tempo antes de
desaparecer como um gemido triste.
— O que será que foi isso? — disse Gail.
— Eles disparam canhões para trazer os cadáveres para a superfície da
água — informou Joel.
— Aquilo não foi um canhão.
— Era alto o bastante.
Ele levou o caleidoscópio ao olho e observou por mais algum tempo. A
seguir, abaixou e apontou para uma tábua flutuante.
— Olha. Parte do barco.
— Talvez tenha o nome.
Joel sentou, enrolou a calça jeans até os joelhos e pulou da pedra para a
água.
— Deixa comigo — falou ele.
— Eu posso ajudar — disse Gail, apesar de Joel não precisar de ajuda.
Ela tirou os sapatos pretos, colocou as meias dentro deles e deslizou da
pedra fria e áspera até entrar na água atrás dele. Ficou com água até os
joelhos depois de dois passos, e Gail não foi mais longe porque o seu vestido
estava molhando. Joel já tinha conseguido pegar a tábua, de qualquer forma.
Ele estava com água até a cintura, olhando para o objeto.
— O que está escrito? — perguntou ela.
— Como você pensou. É o Mary Celeste — respondeu o menino,
levantando a tábua para que Gail pudesse ver.
Não havia nada escrito ali.
Gail mordeu o lábio e olhou para a água.
— Se alguém for resgatá-los, vai ter que ser a gente. Deveríamos fazer
uma fogueira na praia, para que saibam para onde nadar. O que acha?
Ele não respondeu.
— Eu perguntei o que você acha — falou ela, mas então viu a expressão
no rosto de Joel e percebeu que ele não ia responder, nem sequer estava
ouvindo ela, na verdade. — O que foi?
Gail olhou para trás para ver o que ele estava olhando com o rosto rígido e
os olhos arregalados.
A pedra em que os dois estiveram não era uma pedra. Era um animal
morto. Comprido, tinha quase o mesmo tamanho de duas canoas enfileiradas
de ponta a ponta. A cauda estava enroscada e entrava na água na direção
deles, boiando na superfície, grossa como uma mangueira de incêndio. A
cabeça se estendia na praia de seixos, ainda mais grossa, em forma de pá.
Entre a cabeça e a cauda, havia o corpo volumoso, gordo como um
hipopótamo. Não era a névoa que fedia a peixe podre. Era o animal. Agora
que olhava fixo para a criatura, Gail não sabia como conseguira ficar em cima
dela, imaginando que fosse uma rocha.
Sentiu como se tivesse formigas sob o vestido. A sensação de
formigamento também estava nos cabelos. Viu onde o animal havia sido
machucado, no lugar em que a garganta se alargava para entrar no torso. As
entranhas eram vermelhas e brancas, como as de qualquer peixe. Não havia
muito sangue para um buraco tão grande.
Joel agarrou a mão dela. Os dois ficaram parados com água pela altura das
coxas, encarando o dinossauro, que estava tão morto agora quanto todos os
outros dinossauros que já haviam andado pela Terra.
— É o monstro — falou Joel, um tanto desnecessariamente.
Todos já tinham ouvido falar sobre o monstro que vivia no lago. Havia
sempre um carro alegórico no desfile do Dia da Independência que parecia
um plesiossauro, uma criatura de papel machê saindo de águas de papel
machê. Em junho, um artigo sobre a criatura do lago foi publicado no jornal,
e Heather começou a ler em voz alta à mesa, mas o pai mandou que ela
parasse.
“Não há nada no lago. É só uma história para atrair turistas”, disse ele na
ocasião.
“Aqui diz que dez pessoas viram. Diz que eles bateram no monstro com a
balsa.”
“Uma dezena de pessoas viu um tronco e se empolgou. Não há nada neste
lago além dos mesmos peixes que existem em todos os outros lagos dos
Estados Unidos.”
“Poderia ser um dinossauro”, insistiu Heather.
“Não. Não poderia. Você sabe quantos dinossauros seriam necessários para
ter uma população reprodutora? As pessoas estariam vendo dinossauros o
tempo todo. Agora, cale a boca. Você vai assustar as suas irmãs. Não comprei
este chalé para vocês ficarem sentadas aqui dentro o dia inteiro. Se não forem
ao lago porque estão com medo de uma versão americana do Monstro do
Lago Ness, vou jogar vocês lá.”
Agora Joel pedia:
— Não grite.
Nunca passou pela cabeça de Gail gritar, mas ela assentiu para mostrar que
estava ouvindo.
— Não quero assustar o Ben — disse ele em voz baixa.
Joel tremia tanto que os joelhos quase batiam. Por outro lado, a água estava
muito fria.
— O que você acha que aconteceu com ele? — perguntou Gail.
— Teve aquele artigo no jornal sobre o monstro ter sido atropelado pela
balsa. Você lembra? Um tempo atrás?
— Sim. Mas não acha que ele teria sido trazido pela maré antes?
— Não acho que a balsa tenha matado ele. Mas talvez o monstro tenha
sido atingido por outro navio. Talvez tenha sido mastigado pela hélice de um.
É claro que ele não sabia que precisava ficar fora do caminho dos barcos. É
tipo quando as tartarugas tentam atravessar a estrada para botar ovos.
De mãos dadas, os dois se aproximaram.
— Ele fede — disse Gail, levantando a gola do vestido para cobrir o nariz
e a boca.
Joel se virou e olhou para ela, os olhos brilhantes e agitados.
— Gail London, a gente vai ficar famoso. Vão colocar a nossa foto no
jornal. Aposto que na primeira página, com a gente sentado em cima dele.
Ela sentiu um arrepio de empolgação e apertou a mão de Joel.
— Você acha que vão deixar que a gente batize o dinossauro?
— Ele já tem um nome. Todo mundo chama ele de Campeão.
— Mas talvez eles batizem a espécie em nossa homenagem. O
Gailossauro.
— Isso seria batizar em sua homenagem.
— Eles poderiam chamar de DinoGail Joelassauro. Você acha que vão
fazer perguntas sobre a nossa descoberta?
— Todo mundo vai querer entrevistar a gente. Anda. Vamos sair da água.
Eles andaram para a direita, chapinhando na água, em direção à cauda que
boiava. Gail teve que andar com água até a cintura de novo para contornar o
animal e depois foi para a margem. Quando se virou para trás, viu Joel
parado do outro lado do rabo, olhando para ele.
— O que foi? — disse ela.
Ele estendeu a mão com cuidado e tocou na cauda. Então, recolheu a mão
quase na mesma hora.
— Como é a sensação? — perguntou Gail.
Apesar de ela ter escalado a rede enroscada no dinossauro, sentiu que ainda
não havia tocado na criatura.
— Está frio — respondeu Joel, e foi tudo.
Gail colocou a mão na lateral do bicho. A pele era tão áspera quanto uma
lixa e parecia que tinha acabado de sair da geladeira.
— Coitadinho — disse ela.
— Imagina quantos anos ele tem — falou o amigo.
— Milhões. Está sozinho neste lago há milhões de anos.
— Era seguro até as pessoas trazerem esses barcos a motor idiotas para cá
— disse Joel. — Como ele poderia saber sobre os barcos a motor?
— Aposto que teve uma vida boa.
— Milhões de anos sozinho? Não parece bom para mim.
— Ele tinha um lago cheio de peixes para comer, quilômetros para nadar e
nada a temer. O dinossauro viu o surgimento de uma grande nação — disse
Gail. — Nadou de costas sob o luar.
Joel olhou para ela, surpreso.
— Você é a garota mais inteligente deste lado do lago. Fala como se
estivesse tirando as palavras de um livro.
— Sou a garota mais inteligente de todos os lados do lago.
Ele empurrou a cauda para o lado e passou chapinhando por ela, e os dois
chegaram à margem pingando. Deram a volta e encontraram Ben brincando
com o caubói de lata, da mesma forma como fora deixado.
— Vou contar para ele — disse Joel, que se agachou e bagunçou os
cabelos do irmãozinho. — Está vendo aquela pedra atrás de você?
Ben não tirou os olhos do caubói.
— Ahã.
— A pedra é um dinossauro. Não tenha medo. Ele está morto. Não vai
machucar ninguém.
— Ahã — falou Ben.
Ele havia enterrado o caubói até a cintura de lata. Em uma voz baixa e
estridente, Ben gritou:
— Socorro! Estou me afogando na areia movediça!
— Ben — disse o irmão. — Não estou brincando. É um dinossauro de
verdade.
O menor parou e olhou para trás sem interesse.
— Tá bom. — Ele balançou o boneco enfiado na areia e voltou à voz
estridente de caubói. — Alguém joga uma para mim corda antes de eu ser
enterrado vivo!
Joel fez uma careta e se levantou.
— Esse moleque não serve para nada. A descoberta do século atrás dele, e
tudo que quer fazer é brincar com esse caubói idiota.
Então Joel se agachou de novo e disse:
— Ben. O dinossauro vale um monte de dinheiro. Todos nós vamos ficar
ricos. Você, eu e a Gail.
Ben deu de ombros e fez uma expressão amuada. Sentia que não poderia
mais brincar de caubói. Joel o faria pensar no dinossauro, quer ele quisesse
ou não.
— Tudo bem. Pode ficar com a minha parte.
— Vou fingir que não ouvi isso — disse Joel. — Não sou ganancioso.
— O importante — falou Gail — é o avanço do progresso científico. A
gente só está preocupado com isso.
— A gente só está preocupado com isso, rapazinho — disse Joel.
Ben pensou em algo que pudesse terminar a discussão. Ele emitiu um som,
um grande rugido para indicar uma explosão repentina.
— A dinamite disparou! Estou queimando! — Ele caiu de costas e
começou a rolar em desespero. — Apague o fogo de mim! Apague!
Ninguém apagou o fogo. Joel ficou de pé.
— Você precisa chamar um adulto e contar que encontramos um
dinossauro. A Gail e eu vamos ficar aqui vigiando.
Ben parou de se mover. Ele deixou a boca abrir e revirou os olhos.
— Não dá. Fui queimado até a morte.
— Você é um idiota — disse o irmão, cansado de tentar parecer adulto.
Ele chutou areia na barriga de Ben. O menino mais novo se encolheu, o
rosto sério, e falou:
— Você que é idiota. Eu odeio dinossauros.
Joel parecia estar se preparando para chutar areia no rosto de Ben, mas
Gail interveio. Ela não suportava vê-lo perder a dignidade e gostava da voz
séria e adulta de Joel e da maneira como ele ofereceu a Ben uma parte do
dinheiro da recompensa sem hesitar. Gail caiu de joelhos ao lado do
garotinho e colocou a mão no ombro dele.
— Ben? Você não ia gostar de ter uma caixa nova em folha desses
caubóis? O Joel disse que você perdeu a maioria.
Ben sentou e se limpou da areia.
— Eu estou economizando para comprar. Tenho um centavo até agora.
— Se for buscar o seu pai, compro uma caixa inteira de caubóis. O Joel e
eu vamos comprar uma caixa juntos para você.
— Eles custam um dólar na Fletcher’s. — disse Ben — Você tem um
dólar?
— Vou ter depois de receber a recompensa.
— E se não tiver nenhuma recompensa?
— O certo é se não tiver recompensa alguma — corrigiu Gail. — O que
você acabou de falar é uma dupla negativa. Significa o oposto do que você
quer que signifique. Agora, se não houver recompensa alguma, vou
economizar até ganhar um dólar e comprar uma caixa de caubóis de lata.
Prometo.
— Você promete?
— Foi o que eu acabei de dizer. O Joel vai economizar comigo, não é,
Joel?
— Eu não vou fazer nada por essa besta.
— Joel.
— Acho que sim, tá bom — disse Joel.
Ben arrancou o caubói da areia e ficou de pé.
— Vou chamar o papai.
— Espera — falou Joel, que tocou o olho roxo e depois soltou. — A
mamãe e o papai estão dormindo. O papai disse para a gente não acordar eles
até às 8h30. Foi por isso que viemos aqui para fora. Eles ficaram acordados
até tarde na festa dos Miller.
— Meus pais também — disse Gail. — Minha mãe está com uma dor de
cabeça daquelas.
— Pelo menos a sua mãe está acordada — falou Joel. — Vá chamar a sra.
London, Ben.
— Tá — respondeu ele, que começou a andar.
— Correndo — disse Joel.
— Tá — falou Ben, mas não alterou o passo.
Joel e Gail o observaram até que o menorzinho desaparece na névoa.
— Meu pai ia dizer que foi ele que encontrou o dinossauro — falou Joel, e
Gail quase se encolheu diante da perversidade na voz do garoto. — Se
mostrarmos ao meu pai primeiro, nem vamos conseguir sair no jornal.
— Acho melhor deixar o seu pai dormir se ele estiver dormindo — disse
Gail.
— É o que eu acho — concordou o outro, abaixando a cabeça, com a voz
ficando branda e envergonhada.
Ele tinha demonstrado mais emoção do que gostaria e estava
envergonhado. Sem pensar, Gail pegou a mão de Joel, porque parecia a coisa
certa a ser feita. Ele olhou para os dedos entrelaçados e franziu o cenho,
como se a menina tivesse feito uma pergunta que Joel achava que deveria
conhecer a resposta. Ele ergueu os olhos para ela.
— Estou feliz por ter encontrado a criatura com você. Provavelmente
vamos dar entrevistas sobre isso a vida toda. Quando estivermos com 90
anos, as pessoas ainda vão nos perguntar sobre o dia em que encontramos o
monstro. Tenho certeza de que, até lá, ainda vamos gostar um do outro.
— A primeira coisa que temos que dizer é que ele não era um monstro —
falou Gail. — Era só um animalzinho que foi atropelado por um barco. Não é
como se tivesse comido alguém alguma vez.
— A gente não sabe o que ele come. Muitas pessoas se afogaram neste
lago. Talvez algumas não tenham se afogado de verdade. Talvez ele tenha
limpado os dentes com elas.
— A gente também não sabe se ele é macho.
Os dois soltaram as mãos e se viraram para observar o dinossauro
esparramado na praia marrom e dura. Daquele ângulo, parecia uma pedra de
novo, envolto por algumas redes. A pele não brilhava como a de uma baleia,
mas era escura e opaca, um pedaço de granito com líquen em cima.
Ela teve uma ideia e se virou para Joel.
— Você acha que a gente devia se preparar para a entrevista?
— Quer dizer tipo ajeitar o cabelo? Você não precisa. Seu cabelo é bonito.
O rosto dele ficou sério, e Joel não conseguiu sustentar o olhar dela.
— Não — respondeu Gail. — O problema é que não temos nada a dizer.
Não sabemos nada sobre o dinossauro. Se pelo menos a gente soubesse a
idade dele…
— Temos que contar os dentes.
Ela estremeceu. A sensação de formigamento na pele retornou.
— Não quero colocar a mão na boca dele.
— Ele está morto. Eu não tenho medo. Os cientistas vão contar os dentes.
Provavelmente vai ser a primeira coisa que vão fazer.
Os olhos de Joel se arregalaram.
— Um dente — disse ele.
— Um dente — repetiu ela, sentindo a empolgação do menino.
— Um para você e outro para mim. A gente tem que pegar um dente para
cada um, como lembrança.
— Eu não preciso de um dente para lembrar — falou Gail. — Mas é uma
boa ideia. Vou transformar o meu em um colar.
— Eu também. Só que em um colar de menino. Não um colar bonito,
como de menina.
O pescoço do dinossauro era comprido e grosso e estava esticado na areia.
Se tivesse se aproximado do animal por aquela direção, ela teria visto que
não era uma rocha. O bicho tinha a cabeça em formato de pá. O olho visível
era coberto por algum tipo de membrana, que lhe dava a cor de leite frio e
fresco. A boca ficava na parte inferior da cabeça, como a de um esturjão, e
estava aberta. O dinossauro tinha muitos dentes pequenos, em fileiras duplas
inclinadas.
— Olhe só para eles — disse Joel, sorrindo, mas com uma espécie de
tremor nervoso na voz. — Esses dentes cortariam o braço de uma pessoa
como uma serra elétrica.
— Pense em quantos peixes eles cortaram em dois. O dinossauro devia ter
que comer vinte peixes por dia só para não morrer de fome.
— Eu não tenho um canivete aqui — falou Joel. — Você tem alguma coisa
que a gente possa usar para arrancar uns dentes?
Gail deu a ele a colher de prata que havia encontrado em um ponto mais
afastado da praia. Joel entrou até os tornozelos na água, se agachou ao lado
da cabeça e enfiou a mão com o talher dentro da boca do dinossauro.
Ela esperou, sentindo o estômago revirar de forma estranha.
Depois de um momento, o menino retirou a mão. Ele ainda estava
agachado ao lado do dinossauro, encarando o seu focinho. Então, colocou a
mão no pescoço da criatura. Não disse nada. Aquele olho membranoso
encarou o nada.
— Não quero fazer isso — disse ele.
— Não tem problema — falou Gail.
— Pensei que ia ser fácil, mas não acho que é algo que eu deva fazer.
— Não tem problema. Eu nem quero um dente. Sério.
— O céu da boca — disse Joel.
— O quê?
— O céu da boca do dinossauro é igual ao meu. Ou ao seu. Enrugado.
Ele se levantou e ficou parado por um momento. Joel olhou para a colher
na mão e franziu o cenho, como se não soubesse o que era aquilo. Ele a
colocou no bolso.
— Talvez eles nos deem um dente — falou o garoto. — Como parte da
recompensa. Vai ser melhor se a gente não precisar arrancar os dentes
sozinhos.
— Não vai ser tão triste.
— É.
Ele pulou do lago, e os dois ficaram olhando a carcaça.
— Cadê o Ben? — perguntou Joel, olhando na direção em que o irmão
mais novo havia caminhado.
— A gente deveria pelo menos saber o comprimento do dinossauro.
— Mas aí teríamos que pegar uma fita métrica, e alguém poderia chegar e
dizer que o encontrou em vez da gente.
— Eu tenho exatamente 1,20 metro. Nem mais, nem menos. Eu tinha essa
altura em julho passado, quando o meu pai me mediu contra a porta. A gente
pode medir quantas Gails o dinossauro tem.
— Tá bom.
Gail se abaixou com a bunda no chão e se esticou na areia, juntou os
braços às laterais do corpo e uniu os tornozelos. Joel encontrou um graveto e
desenhou uma linha na areia, para marcar o topo do crânio dela.
A menina se levantou, limpou a areia e passou por cima da linha. Então se
deitou de novo, de maneira que os calcanhares tocassem a marca no solo. Os
dois seguiram fazendo isso pela praia. Ele teve que entrar no lago para puxar
a cauda para a margem.
— São pouco mais de quatro Gails — falou Joel.
— Devem ser uns cinco metros.
— A maior parte é o rabo.
— É um rabo grande mesmo. Cadê o Ben?
Eles ouviram vozes estridentes atravessando a neblina soprada pelo vento.
Pequenas figuras vieram na direção dos dois, saltitando pela praia. Miriam e
Mindy irromperam pela neblina, com Ben vagando atrás delas sem parecer
ter pressa alguma. Ele estava comendo um pedaço de torrada com geleia de
morango, os lábios e o queixo sujos. Ben sempre terminava um prato com
tanta comida no rosto quanto dentro da boca.
Mindy segurava a mão de Miriam enquanto a irmã pulava de uma maneira
estranha, como se estivesse se lançando para cima.
— Mais alto! — ordenou Mindy. — Mais alto!
— O que é isso? — perguntou Joel.
— Eu tenho um balão de estimação. O nome dele é Miriam — disse
Mindy. — Flutue, Miriam!
Miriam pulou para o ar e desceu de maneira tão pesada que as pernas
cederam e ela caiu sentada com força na praia. A menina ainda segurava a
mão de Mindy e puxou a irmã para o chão ao seu lado. As duas se
esparramaram nos seixos úmidos, rindo.
Joel olhou para Ben, que estava atrás delas.
— Cadê a sra. London?
Ben mastigou um bocado de torrada. Ele estava mastigando há muito
tempo. Finalmente, o garoto engoliu.
— Ela disse que viria ver o dinossauro quando não estivesse tão frio.
— Flutue, Miriam! — gritou Mindy.
Miriam caiu de costas com um suspiro.
— Estou esvaziando. Estou murcha.
Joel olhou para Gail com uma mistura de frustração e nojo.
— Está fedendo — disse Mindy.
— Dá para acreditar? — perguntou Joel. — Ela não vem.
— Ela mandou dizer para a Gail voltar para casa se quiser tomar café da
manhã — falou Ben. — Vamos comprar os meus caubóis hoje?
— Como você não fez o que a gente pediu, não vai ganhar nada — disse
Joel.
— Você não falou que eu tinha que buscar um adulto. Você só disse que
eu tinha que contar para um adulto — argumentou Ben em um tom tão
irritante de voz que até Gail ficou com vontade de bater nele. — Eu quero os
meus caubóis.
Joel passou pelas meninas no chão, pegou Ben pelo ombro e virou o irmão.
— Traga um adulto para cá ou eu afogo você.
— Mas você disse que ia comprar caubóis para mim.
— Sim. Vou garantir que seja enterrado com eles.
Ele chutou a bunda do irmão para colocá-lo em movimento. Ben gritou,
tropeçou e olhou para trás com uma expressão magoada.
— Traga um adulto — mandou Joel. — Ou vai ver como eu posso ser
mau.
O menor saiu apressado, de cabeça baixa, com as pernas rígidas e
inflexíveis.
— Sabe qual é o problema? — perguntou Joel.
— Qual?
— Ninguém vai acreditar nele. Você ia acreditar no Ben se ele dissesse que
a gente está com um dinossauro?
As duas menininhas conversavam em voz baixa. Gail estava prestes a se
oferecer para voltar para casa e buscar a mãe quando notou os sussurros
sigilosos das irmãs. Ela olhou para baixo e viu ambas sentadas de pernas
cruzadas ao lado das costas da criatura. Mindy estava desenhando com giz
um jogo da velha na lateral do dinossauro.
— O que pensa que está fazendo? — gritou Gail, agarrando o giz. —
Tenha um pouco de respeito pelos mortos.
— Me dá o meu giz! — mandou Mindy.
— Você não pode desenhar nisso. É um dinossauro.
— Quero o meu giz de volta ou vou contar para a mamãe — disse Mindy.
— Nem elas acreditam na gente — falou Joel. — E estão sentadas ao lado
dele. Se estivesse vivo, o dinossauro já teria comido as duas.
— Você tem que devolver! — disse Miriam. — Esse é o giz que o papai
comprou para ela. Cada uma de nós ganhou algo de um centavo. Você queria
chiclete. Podia ter escolhido giz. Você tem que devolver!
— Bem, não desenhe no dinossauro.
— Eu posso desenhar nele se quiser. O dinossauro é de todo mundo —
falou Mindy.
— Não é. É nosso — falou Joel. — Foi a gente que descobriu ele.
— Ou você desenha em outro lugar, ou não vou devolver o giz — falou
Gail.
— Vou contar para a mamãe. Se ela tiver que vir aqui para obrigar você a
devolver o meu giz, ela vai esfolar o seu traseiro — disse Mindy.
Gail começou a estender a mão para devolver o giz, mas Joel pegou o
braço da amiga.
— Não vamos devolver — falou ele.
— Vou contar para a mamãe — repetiu Mindy, se levantando.
— Vou contar para a mamãe junto com ela — disse Miriam. — A mamãe
vai vir e dar uma bronca em você.
Elas entraram na névoa batendo pé e discutindo essa última indignação
pela qual tiveram que passar em tons estridentes de descrença.
— Você é o garoto mais inteligente deste lado do lago — falou Gail.
— De todos os lados do lago — disse ele.
A névoa se espalhou vindo da superfície da água, e Mindy e Miriam
sumiram dentro dela. Por algum truque da luz, as sombras se alongaram, e
cada garota pareceu uma sombra dentro de uma sombra maior dentro de uma
sombra ainda maior. Elas criaram túneis compridos em forma de menina na
fumaça. Aquelas múltiplas sombras se estenderam no vapor, alinhadas como
uma série de bonecas russas escuras e sem feições. Por fim, as sombras
diminuíram e foram engolidas pelo nevoeiro com cheiro de peixe.
Gail e Joel não se voltaram para o dinossauro até as meninas mais novas
desaparecerem completamente. Uma gaivota estava sentada na criatura
morta, olhando para ele com olhos ávidos e redondos.
— Sai daqui! — gritou Joel, batendo as mãos.
A gaivota pulou na areia e se afastou, encurvada e infeliz.
— Quando o sol sair, ele vai ficar com um cheiro bem forte — disse Joel.
— Depois de tirar fotos, vão ter que colocar ele em um refrigerador.
— Fotos dele com a gente.
— É — falou Gail, que queria pegar a mão de Joel de novo, mas não
pegou. — Você acha que vão levar o dinossauro para a cidade?
Ela se referia a Nova York, que era a única cidade em que já tinha estado
na vida.
— Depende de quem comprá-lo de nós.
Gail queria perguntar se Joel achava que o pai dele o deixaria ficar com o
dinheiro, mas temia que a pergunta pudesse colocar ideias tristes na sua
cabeça. Em vez disso, indagou:
— Quanto você acha que podemos receber?
— Quando a balsa atingiu essa criatura no verão, o P.T. Barnum anunciou
que pagaria 50 mil dólares por ela.
— Gostaria de vendê-lo para o Museu de História Natural de Nova York.
— Acho que as coisas no museu foram presentes. A gente se daria melhor
com o Barnum. Aposto que ele deixaria a gente entrar de graça no circo pelo
resto da vida.
Ela não respondeu, porque não queria dizer algo que pudesse decepcionálo.
Joel disparou um olhar para Gail.
— Você não acha que é certo.
— Podemos fazer como você quer — disse ela.
— Cada um de nós pode comprar uma casa com a nossa metade do
dinheiro do Barnum. Você pode encher uma banheira com notas de cem
dólares e nadar nela.
Gail não disse nada.
— Metade é sua, você sabe. De tudo que a gente ganhar!
Ela olhou para a criatura.
— Você acha mesmo que ele pode ter um milhão de anos? Consegue
imaginar passar todos esses anos nadando? Consegue imaginar nadar
embaixo da lua cheia? Será que ele sentia falta de outros dinossauros? Acha
que ele ficou curioso sobre o que aconteceu com os outros?
Joel observou a criatura por um tempo e falou:
— Minha mãe me levou ao Museu de História Natural. Eles tinham um
pequeno castelo lá com cem cavaleiros, em uma caixa de vidro.
— Um diorama.
— Isso. Aquilo foi incrível. Parecia um pequeno mundo lá dentro. Talvez
eles deixassem a gente entrar de graça no museu pelo resto da vida.
O coração de Gail ficou mais aliviado, e ela falou:
— E os cientistas poderiam estudá-lo sempre que quisessem.
— É. O P.T. Barnum provavelmente ia cobrar dos cientistas para eles
fazerem isso. Ele ia exibir o dinossauro ao lado de uma cabra de duas cabeças
e de uma mulher gorda com barba, e o dinossauro não seria mais especial.
Você já pensou nisso? Em como tudo no circo é especial, então nada é
especial? Se eu soubesse andar na corda bamba, mesmo que um pouquinho,
você ia pensar que eu sou o garoto mais incrível do mundo. Mesmo se eu
estivesse a meio metro do chão. Mas se eu andasse em uma corda bamba no
circo e estivesse a apenas meio metro de altura, as pessoas iam vaiar e pedir o
dinheiro de volta.
Foi o máximo que ela já tinha ouvido Joel falar de uma vez só. Gail queria
responder que Joel já era o garoto mais incrível que ela conhecia, mas achou
que isso deixaria o amigo constrangido.
Ele pegou a mão de Gail, e o coração dela acelerou, mas Joel só queria o
giz.
O menino pegou o giz e começou a escrever na lateral da pobre criatura.
Gail abriu a boca para dizer que eles não deveriam fazer isso, mas depois
fechou quando viu que Joel estava escrevendo o nome dela na pele irregular
do bicho. Depois, escreveu o próprio nome embaixo do nome de Gail.
— Isso é para se alguém tentar falar que encontrou o dinossauro antes da
gente — disse Joel. — Seu nome deveria estar em uma placa aqui. Nossos
nomes deveriam estar juntos para sempre. Estou feliz por ter encontrado o
dinossauro com você. Não tem ninguém mais no mundo com quem eu
preferiria estar.
— Isso é uma dupla negativa — falou ela.
Ele beijou Gail. Apenas na bochecha.
— Sim, querida — disse Joel, como se tivesse 40 anos e não 10, e
devolveu o giz.
Ele olhou por cima dela para o interior da névoa, além da praia. Gail virou
a cabeça para ver o que Joel estava olhando.
Ela viu uma série daquelas sombras parecidas com bonecas russas, se
desmanchando em direção aos dois, como alguém fechando um telescópio.
As sombras tinham a forma da mãe, ladeadas pelas silhuetas de Miriam e
Mindy, e Gail abriu a boca para gritar, mas então aquela grande sombra
central se encolheu e se transformou em Heather. Ben Quarrel estava logo
atrás, parecendo satisfeito consigo mesmo.
Heather saiu da névoa, com o bloco de desenho debaixo do braço. Cachos
de cabelo loiro caíam sobre o seu rosto. Ela franziu os lábios e soprou para
tirá-los dos olhos, algo que só fazia quando estava brava.
— A mamãe quer falar com você. Ela disse agora.
— Ela não vem? — perguntou Gail.
— Ela está com panquecas de ovo no forno.
— Fala para ela…
— Fala para ela você. E pode devolver o giz da Mindy antes de ir.
Mindy estendeu a mão com a palma para cima.
— Gail, Gail, ela manda e desmanda — cantou Miriam. — Gail, Gail, ela
é burra para caramba.
A melodia era tão boa quanto a letra.
— A gente encontrou um dinossauro — disse Gail para Heather. — Você
tem que correr e trazer a mamãe. Vamos dar o dinossauro para um museu e
sair no jornal. O Joel e eu vamos sair juntos na foto.
Heather pegou a orelha da irmã mais nova e puxou, e Gail gritou. Mindy
avançou e arrancou o giz da mão dela. Miriam soltou um longo grito falso de
menininha, zombando dela.
Heather baixou a mão e agarrou a parte de trás do braço da irmã entre o
polegar e o indicador e beliscou. Gail gritou de novo e lutou para se soltar. A
mão dela se debateu e derrubou o bloco de desenho na areia. A garota não se
importou, pois estava com sede de sangue, e começou a conduzir a irmã mais
nova para a neblina.
— Eu estava desenhando o meu melhor pônei — falou Heather. —
Trabalhei muito nesse desenho. E a mamãe nem olhou para ele, porque a
Mindy, a Miriam e o Ben não paravam de encher o saco dela com o seu
dinossauro idiota. Ela gritou comigo para vir buscar você, e eu nem tinha
feito nada. Eu só queria desenhar, e a mamãe disse que, se eu não viesse aqui,
ela jogaria os meus lápis de cor no lixo. Os lápis de cor! Que eu ganhei! De
aniversário!
Ela torceu a parte de trás do braço de Gail para enfatizar o que dizia, até os
olhos da menina arderem com lágrimas. Ben Quarrel correu para ficar ao lado
de Gail.
— E é melhor comprar os meus caubóis. Você prometeu.
— A mamãe disse que você não vai comer nenhuma panqueca de ovo —
disse Miriam. — Por causa de toda a bagunça que fez hoje de manhã.
— Gail? — falou Mindy. — Você se importa se eu comer a sua panqueca
de ovo?
Gail virou o rosto e olhou para Joel. Ele já era um fantasma, a seis metros
de distância na neblina. Joel tinha subido e sentado na carcaça.
— Eu vou ficar aqui, Gail! — gritou ele. — Não se preocupe! Seu nome
está escrito no dinossauro! Seu nome e o meu, juntos! Todo mundo vai saber
que descobrimos ele! Volte o mais rápido que puder! Estarei esperando!
— Tudo bem — disse ela, com a voz tremendo de emoção. — Eu já volto,
Joel.
— Não, não vai voltar, não — falou Heather.
Gail tropeçou nas pedras, olhando para o garoto pelo máximo de tempo
que pôde. Logo, ele e o animal eram apenas silhuetas difusas no nevoeiro,
flutuando em lençóis úmidos, tão brancos que fazia Gail lembrar dos véus
que as noivas usavam. Quando Joel desapareceu, ela se virou, piscando para
conter as lágrimas, sentindo a garganta apertada.
O caminho de volta para casa era bem maior do que ela se lembrava. O
grupo — quatro crianças pequenas e uma de 12 anos — seguiu pelo curso
sinuoso da praia estreita, junto às margens prateadas do lago Champlain. Gail
olhou para os pés e observou a água passar suavemente sobre as pedras.
Eles continuaram ao longo do aterro até chegarem ao cais, onde estava
amarrado o bote do pai dela. Heather soltou Gail, e cada uma das crianças
subiu nas tábuas de pinho. Gail não tentou correr de volta. Era importante
buscar a mãe, e pensou que, se chorasse alto o suficiente, conseguiria.
As crianças estavam no meio do quintal quando ouviram o barulho da
buzina de nevoeiro de novo. Só que não era uma buzina e estava muito perto,
em algum lugar fora de vista na neblina sobre o lago. Era um som bovino,
longo e angustiado, uma espécie de mugido trovejante, alto o suficiente para
fazer as gotas de névoa tremerem no ar. O som trouxe de volta a sensação de
formigamento no couro cabeludo e no peito de Gail. Quando olhou de volta
para a doca, viu o barco do pai subindo e descendo na água, batendo contra a
madeira, balançando em uma onda repentina.
— O que foi isso? — gritou Heather.
Mindy e Miriam se abraçaram, olhando assustadas para o lago. Os olhos de
Ben Quarrel se arregalaram, e a cabeça se inclinou, ouvindo com uma
intensidade nervosa.
Lá atrás na praia, Gail ouviu Joel gritar alguma coisa. Ela pensou — mas
nunca teve certeza — que ele gritou: “Gail! Olha lá, veja!” No entanto, nos
anos posteriores, às vezes, passava a ideia terrível na sua cabeça de que
poderia ter sido: “Deus, me proteja!”
A névoa distorceu o som, assim como fazia com a luz. Então, quando
ouviram uma grande pancada na água, foi difícil julgar o tamanho da coisa
que fez o som de água batendo. Era como se uma banheira tivesse caído de
uma grande altura no lago. Ou um carro. De qualquer forma, foi uma pancada
enorme.
— O que foi isso? — berrou Heather de novo, segurando o estômago como
se estivesse com dor de barriga.
Gail começou a correr. Ela pulou o barranco e caiu na praia de joelhos. Só
que a praia tinha sumido. Ondas quebravam, ondas altas daquelas que se vê
no mar, não no lago Champlain. Elas inundaram a faixa estreita de seixos e
areia, subindo até o aterro. Gail se lembrou de como, no caminho de volta, a
água batia suavemente na praia, deixando espaço para Heather e Gail
caminharem lado a lado sem molhar os pés.
Ela entrou correndo no vapor frio soprado pelo vento, gritando o nome de
Joel. Por mais que corresse, a menina sentiu que não estava indo rápido o
suficiente. Ela quase passou direto pelo local onde a carcaça esteve. O
dinossauro não estava mais lá, e, na neblina, com a água subindo em volta
dos pés descalços, era difícil distinguir um trecho de praia do outro.
No entanto, Gail viu o bloco de desenho de Heather, mergulhado na
arrebentação, encharcado, com as páginas se desfazendo. Ficou parada no
lugar e olhou para as ondas agitadas e a água revolta. Ela sentia uma pontada
dolorida na lateral do corpo. Os pulmões se esforçavam para respirar. Quando
as ondas recuaram, conseguiu ver o ponto onde a carcaça havia sido arrastada
pela terra dura, puxada para a água, de volta para casa. Parecia que alguém
tinha passado um arado pela praia até o interior do lago.
— Joel! — gritou para a água. Ela se virou e berrou para o aterro, para as
árvores, em direção à casa dele. — Joel!
Gail girou em círculos, gritando o nome do menino. Ela não queria olhar
para o lago, mas acabou se voltando para ele mesmo assim. A garganta ardia
de tanto gritar, e Gail estava começando a chorar mais uma vez.
— Gail! — berrou Heather, a voz estava estridente de medo. — Vamos
para casa, Gail! Vamos para casa agora!
— Gail! — gritou a mãe dela.
— Joel! — berrou a menina, pensando que aquilo era ridículo, todo mundo
gritando o nome de todo mundo.
O mugido veio de longe. Era triste e suave.
— Devolve o Joel — sussurrou Gail. — Por favor, devolve ele.
Heather correu através da névoa. Ela parou no alto do aterro, não na areia,
onde a água ainda se acumulava, com ondas pesadas e frias chegando uma
atrás da outra. A seguir, a mãe de Gail também apareceu lá em cima, olhando
para a filha.
— Querida — disse a mãe de Gail, o rosto pálido e assustado. — Venha
cá, querida. Venha com a mamãe.
Gail ouviu, mas não subiu o aterro. Algo foi trazido pela água e bateu no
pé dela. Era o bloco de desenho de Heather, aberto em um dos pôneis. Era
um pônei verde, com um arco-íris no corpo e cascos vermelhos. Era tão verde
quanto uma árvore de Natal. Gail não sabia por que a irmã sempre desenhava
cavalos tão diferentes de cavalos de verdade, que eram cavalos impossíveis.
Aqueles cavalos eram como duplas negativas, como dinossauros, uma
possibilidade anulada no momento em que era expressa.
Ela pegou o bloco de papel na água e olhou para o pônei verde com uma
espécie de enjoo repentino, uma vontade de vomitar. Arrancou a folha do
pônei, amassou-a e jogou na água. Depois arrancou alguns outros pôneis e
jogou fora também, e logo as bolas de papel amassado balançavam e
flutuavam em volta dos seus tornozelos. Ninguém mandou que ela parasse, e
Heather não reclamou quando Gail deixou o bloco cair e afundar no lago.
Ela olhou para a água, querendo ouvir mais uma vez aquele som suave de
buzina de nevoeiro, e conseguiu, só que o som estava dentro de Gail desta
vez, o som estava no fundo dela, um grito longo e silencioso por coisas que
nunca aconteceriam.
Depois da leitura do conto, responda:
2- O que você achou do conto? Faça uma breve resenha.
3- Quais os personagens do conto?
4- Qual o protagonista?
5- Em que espaço se passa a narrativa? e tempo?
6- Os elementos e a ambientação narrados no conto são parecidos com os de seu cotidiano? Explique.
7- Qual o clímax da história?
8- O que você achou do desfecho? Comente.
9- Teve alguma passagem confusa para você na narrativa? Por quê?
10- Durante toda a narrativa, você achou que as crianças estavam usando a imaginação ou vendo coisas reais? Explique como foi sua leitura? Por que você acha que ele foi construído desta forma? Que impressão você teve do conto?Agora copie as perguntas e respostas no caderno e me envie em foto ou no word. Espero que tenha gostado da leitura!
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